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Mostrando postagens de 2013

O Necrófilo

imagem: The two-headed necrophiliac (Robert Lenkiewicz) A massa nutre meu desejo oculto De lograr nas entranhas, antes viva O sabor da Morte, esta musa altiva Que em outros olhos dissemina o luto Essa bela face – hipnotizada Que com grandes órbitas me enlouquece Faz-me relembrar d’ainda única amada A quem minh’alma destina essa prece Coito, vertigem, um vigor sublime! Donde surge a canção que me redime É estro que se esvai... E enfim eu: finado Tal essa carcaça nua ao meu lado Templo lúgubre, tábua de suplícios Melíflua! É algoz, vício de meus vícios

[leve]

imagem: Klaus Kinski no filme Mein liebster Feind leve por entre  ruínas um sorriso voa

[Estamos sempre em busca daquele movimento único]

imagem: Ensaio "Telaio" com Andressa Crossetti (Susi Godoy) Estamos sempre em busca daquele movimento único caçando borboletas feitas de tempo e areia o sal da terra crepitando nos recônditos da manhã aquela fotografia que nos fundiria com o incompossível aquela plástica e sinestésica verdade que nos devolveria o corpo nu a cinestesia aos membros que nunca foram, à boca o fêmur às mãos a eternidade do que jamais será, senão uma breve oração

Arqué

imagem: Prayer (Pronab Kundu) Do começo, quando tudo era nada Nas tragédias das fiosofias: o riso Pelo repente, 'sá arte d'improviso Vingou comédia da coisa impensada Quem pariu as tanta vaca malhada Deu nascença pr'esse mundo cumprido Num foi – água, fogo – o já escrevido Foi bigue-bangue de boa gargalhada E dela pulou, voou vários fiotinho Guri-tempo, fia-luz, todos cantante Reverberando poesia melodiante Traçando universo, vastoso ninho Fora de massinha feita de criança Que assucederam sucuri, tubarão Até vida Severina e Lampião Toda inventisse achada na lembrança!

Cantiga para um amor encantado

imagem: De Vous a Moi I (Isabelle Vital) Duma memória muito distante Dimbrando outros causos de menino Canto história deveras importante Dia que sertão ficou bem pequenino Pois já versejava o cangaceiro Que esse secume viraria mar Não deu outra, um aguaceiro E eu me encantei, quis brincar Guri bobo, fingindo espertura Cheio de medo, fui trupicando Me acheguei, enfrentei tremura Era primavera!, tudo brotando! Bebi do vale, hoje, onde? Outrora lago, riso, fonte Alumiando tarde, vindo donde? Era boca di moça naquela ponte Era Oxum aquela neguinha Que os olhin eu admirava? No meu sonho, falou que vinha Quando, antes, terra definhava Pra menina, bela, tão formosa Me despi do mundo, fui sem casca Di mansin, sorrindo, disse: meu nome é Rosa Eita amor, esse calor que tudo lasca!

A Gaivota

imagem: Dominic Ebenbichler/Reuters Por onde anda a gaivota que voa liso pelo céu cor de chá para dor de barriga - que às vezes dói porque mamãe não está -? Seria mamãe o céu cor de chá que ela bebe para dor na barriga? E por onde andam a gaivota do céu de mamãe e o chá que ela me dá para dor de barriga? Ah, eu quero o céu de chá cor de mamãe que voa liso como gaivota - a gaivota eu não sei talvez algumas mãos - mão gaivota cor de chá de mamãe para curar a dor na barriga ... para Téo, João Guilherme - todos os pimpolhos - e as mamães

[Eu caminhei buscando um coração]

Eu caminhei buscando um coração Desviando-me de pedras e tentando manter meus olhos abertos em meio à poeira Entretanto, não compreendia que tudo já havia se corrompido Meus dedos, minha boca, meu corpo Nada mais sem o fardo essencial daquele que eternamente procura As luzes piscaram, prenunciando a minha morte E eu rezei para que alguém me salvasse nestas noites impuras Mas o que eu apenas pude ver foi a minha própria imagem Eu em fragmentos, enquanto meus pés seguiam tortuosamente... (extraído do livro AUTOPSE - 2012 - Ed. Multifoco)

Silêncio

imagem: Pacientes do Hospital Colônia - Barbacena/MG (Divulgação/Luiz Alfredo/Revista O Cruzeiro, 1961) Percorri corredores observando tumbas com ossos cariados vislumbrei súplicas em faces que não se moviam; carreguei os mortos e o aroma pútrido lambia minha calma. Limpei os seus dejetos e os dos que ainda agonizavam esperando a sua vez...

Alquimia

imagem: (Mika Moret) ... e tudo contém esse não sei o que de palavras que falham no abraço  perdem-se transfigurando afeto, cafuné em um mais um de letras que não alcançam  o cheiro do tempo, esse continuum de incógnitas de mãos que se estendem e corpos que cedem O verbo reside na impossibilidade

[há tempos]

imagem: Woman VI (Willem De Kooning) há tempos teu nome não soa em mim ressumbrando dores, reabrindo feridas; o dorso distante não abriga mais o delírio das mãos que hoje apenas se esquecem no ar onde tudo me escapa de ti e o amor não forja a lâmina