Pular para o conteúdo principal

ODE

imagem: Minotaure et nu [Le viol] - 1933 (Pablo Picasso)



Canto 1


1

que dizer a mais do que já dito

desse obscoso formato, ornamental?!

o que para alguns tem de maldito

a outros certamente de imortal

2

qual etna entre tempos se revela

num espetáculo, arco tortuoso

narra a olhos sem pudor sua querela

afligindo até mesmo o virtuoso

3

como quem ardendo se exaspera

lança-se’m pensar, ao mar, ao fundo

eu vi dentre mim nascer a fera

errante animal, vil moribundo

4

que em seu canto, fresco odor, se enleia

chagando o que chamamos de razão

quanto mais fugir tenta d’ sua teia

mais consome, definha esse brasão

5

marca iluminista inda eminente

embora já freud tenha descrito

que esse, subjugado ao inconsciente

fica, apesar do apelo d’ seu mito

6

skinner, com objeto bem diverso

ao relatar sobre essa abrangência

nega ao abstrato, neste universo

delegando-o para a contingência

7

boltzmann e gödel noutra vereda

tangendo aquele vau impossível

criam o que à lógica faz-se azeda

nau onde o contrassenso é compossível

8

nessa via, loucura voluptuosa

em quo acaso ao causo sempre é mote

volvido vou com a agre mucosa

carne na carne, sorvendo o pote

9

satisfação que maslow predizia

ser da boa pirâmide a sua base

cuja carência formula uma azia

corpo transfigurado em estase

10

mesmo q’ depure, reveja o tema

tal rato rói, e o verme o defunto

esse imã, atroz que não queda, rema

disforme, em massa, rompendo junto



Canto 2



11

empinado o glúteo, a língua em bis

sua sombra encerrada como cela

o ânus à manteiga simula um xis

bel tango, masoch, eu, marquês e ela

12

oposto a descartes, q’ pelo juízo

quis tocar metódico o que é real

a episteme, atribui, sem prejuízo

hume, pro empírico, achando-o leal

13

enthousiasmos que em mim só se agrava

afronta pois o ensino d’aquino

o qual ao gênio ofende, deprava

também d’ luther, hipona, calvino

14

se a marx o fetiche é mercadoria

o capital opressor do infeliz

aqui, donx, escravx, em coautoria

convertem a dor no valor motriz

15

bem mostra-nos aquela multidão

que no ato com françois observara

sanson primeiro torturar-lhe a mão

tronco, o resto após, a tarde cara

16

queimam, vertebras, equus n’alcova

alegorias, comuns arquétipos

homolka, bundy, bodil, malkova

bispanking claire, fados, édipos

17

conquanto comece, exija o perfil

mártir, catella, de hermética ou rés

seu molde revira, perfaz-se em til

amiúde, avessa, reviça, revés

18

perdoe-me, leitor, se cá me extravio

abuso das figuras pra aduzir

mas é flama a memória, ou um pavio

ora compraz-me o fluxo e faz luzir

19

crua, devassa, nessa contradança

la bruja vislumbra, desfere o fel

de lua, dourada, a bátega, avança

o tédio da última, oblitera, o mel

20

harpia, vampir, agita o chicote

agarra, rebuça, esgatanha o osso

oblíqua, carmina, a própria sorte

cava, retrava, profondo rosso



Canto 3



21

antes d’ seguirmos cabe explicação

ao uso dum termo citado acima

porventura não seja obrigação

contudo dou versão q’ qro que exprima

22

se “obscoso” nd encontra, “em lugar nenhum”

é devido seu viés ‘xtraordinário

obscuro e viscoso agrupados num

neologismo pro vocabulário

23

prossigo nesse instant donde parei

co’ a femme fatale a minha frente

que, em frenesi deixou-me, na sua lei

miragem, substância evanescente

24

nessa forja onde a pedra amarra o sol

e a legião celebra o próprio fim

ta’ o sábio que na montanha é farol

condenado o dragão ressurge em mim

25

este tão logo se manifesta

venho a ti, e ‘tu deves’ é meu nome”

grito “satã! diabo! mal que infesta!

belzebu! levai p/ lá a vossa fome!”

26

ao que sorri e, soberbo, assim me diz

ouve, compreendo essa tua precaução

porém os que compõem minha matriz

são os mesmos que povoam teu coração

27

mil faces tenho e mil faces há em ti”

conclui dessa maneira a sua língua

reajo, então, “vós, de mim, ide, parti!”

inútil é a ação, nada se míngua

28

hidra sou, dessas testas que possuo

fulguram os preceitos que as sustêm

se uma é decepada, duas, sem recuo

crescem no lugar e o ocaso detêm”

29

qual dura sonora onde o índio clama

soa, ressoa, atirado sou àquela voz

retorno, a visão imersa em lama

para a mulher que é xama, bruta foz

30

mas nesse imo, fragílimo cristal

zona cujas piras não são breves

áspero, esse monstro, sua digital

troa, “tu deves, tu deves, tu deves...”



Canto 4



31

saliva a besta ao desiderato

enqnto, espreita, essoutro d’ várias tranças

caos sobre caos, causando o substrato

menocchio, sua gênese às lembranças

32

degola a mãe, pierre, por compaixão

eu, de mim, um maço que reprime

todavia para ambos a maldição

no cáucaso à ave pelo meu crime

33

tecem as irmãs nosso destino

nós, amalgamados, feitos em ser

consoante d’ parmênides o atino

indiviso, omnis, perpétuo haver

34

de maneira diferente o devir

heráclito crê real, legifera

conceito que introduz ao perquirir

panta rei, fogo, tudo se altera

35

pra tales, entretanto, em início

a água, da natureza, se traduz

igual fêmea, bravio mar, um vício

líquida nave gera e nos conduz

36

já anaximandro o ápeiron insere

valsa invisível como proposta

infinito q’ derrama, (re)ingere

pasta donde a physis é composta

37

razoável o ar remeter outrossim

àquilo que transmuta a matéria?!

segundo anaxímenes faz-se assim

o antropo, o mineral, a bactéria

38

empédocles afirma por sua vez

que é das quatro raízes essa função

unas com o amor e o ódio em lucidez

tramam da nascença à putrefação

39

pitágoras idem inaugura

o número indubitavelmente

p/ xenófones é a terra, assegura

a demócrito, o átomo, “somente”

40

inobstante, seja enfim essa arqué

não o noûs de anaxágoras q’ move a idea

destart’, qual dorso daquela em mim é

paisagem, pasto, ninfas ou medea



Canto 5



41

a manceba amante inda que tele

pois alfim só plantou grave espectro

fere-me a boca, a boca à mia pele

conserva-se acre, látego plectro

42

tal perenelle flamel, lendatriz

logrou longa vida com a magia”

crepita, velada pua ou beatriz

ora turra dulcis, ora em algia

43

águia de sangue, rebenta o fruto

seiva nossa, das escápulas, voa

xenomórfico ose, dissoluto

morta madre na des-figura ecoa

44

nobre sal, item oma signo seu

pela treva age, prodigioso orbe

da abóbada, entona sina, androceu

sua vinga prepara nesse alforbe

45

eu que de mary à cria me assemelho

largo orto em serro da calipígia

sou, de hades, rei, sacro escaravelho

ou vulgo um, verbero desta lígia?!

46

de ifigênia, a forte, rubro manto

que avulta-se algures pra deidade

ou o bico, à turba, do falsanto?!”

vão... verbo é impossibilidade

47

entre bósons, estelas, onde o grão

a prima obra, ny, raro etimodeus?!

por grossa fuga pulsa seu cifrão

em sólitons verte neuroproteus?!

48

oumuamu’alto e “silente” cetáceo

paz nenhuma demonstra esse enigma

traspassa o céu, infausto rubiáceo

rangem consigo as almas do origma

49

suspenso negrume ao sono induz

cobre de angkor frontes impassíveis

quem fácil não cede luna seduz

mas uivam em mim coisas horríveis

50

das vespas a peçonha igualmente

quos ortópteros cativos torna

envenena, a solidão, seu cliente

abasta essa raiva que, o senso, orna



Canto 6



51

ouabaína aplaca e regenera estro

quebra espada, esfaz a malfazeja

asperge o falcão sua febre, destro

molesta, circunda, ankou solfeja




Comentários